segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Sexus & Paulicéia


Arrepiar-me ao frio da noite, São Paulo se resume em um mundo de sensações frias, em que o leito próprio do lar esfria também o corpo. Noite vazia, os guardas em suas motos soando apitos sonoros e estabelecendo um “q” de segurança para insônias sem rumo.
            Fio dental passando rápido por entre os dentes, e na sala o cheiro forte do uísque derramado no carpete. “Cidade fria”. O destilado é o sexo que aquece meu corpo; sexo sem preliminares, sem arrepios, sem gemidos, sem orgasmos... No entanto aquece. Sexo que não aquece meu sexo. Busco o erótico onírico. Busco masturbar-me em pensamentos, penso: “Foi então deitados no chão, que se amaram tão profundamente que tiveram medo da própria grandeza deles.”. E lembro que esta é Clarice Lispector, não eu.
            Desde quando sou assim? Sou quase gente, quase bicho, quase atriz, quase amante. Sou um quase de mim mesma, quase... Estímulos não equivalem ao teórico. Como leitora assídua de obras eróticas, testemunhei literariamente os atos sexuais de Anaïs Nin, o perverso libertino, tipicamente “sadiano”, e cheguei ao cúmulo de saborear o “Doce veneno do escorpião” (deste “veneno” não me orgulho). Todos cheirando a sexo e eu perfumada de lavanda!
            O álcool não evaporou, permanece inerte em meu corpo. A escova de dente agora passeia macia pelos meus dentes. Massageia o inicio das gengivas, corando-as. Meu rosto refletido no espelho e o olhar longínquo. Pensamento fugitivo para além de minha boca. Pensamento que resume um beijo dado pausadamente. Bocas que se encostam brandas, entreabertas, ora abaixo, ora acima. Mordida leve no lábio inferior, puxando por entre dentes e lábios. Línguas úmidas que dançam devagar, sugadas por vezes, para o interior da boca quente. Boca é volúpia! Os olhos se voltam para o reflexo. Não são mais as gengivas que estão coradas, e sim o rosto.
            Volto ao leito, aquecida por lembranças. Aquecida pela bebida. Aquecida pela lubricidade. Recosto a cabeça no travesseiro levemente alto. Decido passear com minhas mãos. Penso que poderei ser minha. Sentir-me era o que deveria ser feito. Mãos entrando debaixo da camisola, vagueando nos seios (tateando com a ponta dos dedos, deslizando vagarosamente sobre as auréolas), descendo no vão da barriga, acariciando o umbigo e caminhando ao monte de Vênus. São Paulo é uma boca abrasadora e a garoa diria ser a saliva desta boca... Saliva ardente.
Sinto os lábios de São Paulo por entre os dedos. Fecham-se paulatinamente e seguram-me firme... Causticamente firme. Minhas ideias chegam ao ponto central da cidade e se perdem ali. Caminham os mesmos pontos circularmente, descem e sobem a rua central, por vezes a pé, por vezes a motor. Buscam-se adentrar um pouco, em um logradouro pouco conhecido. Caminha por entre os becos mais lúgubres, e se abisma com o potencial de esquinas não muito frequentadas.
O corpo inevitavelmente se aquece, em um suspiro extasiante. Chove em São Paulo. São Paulo é quente. São Paulo é sexo!